O Sistema Patriarcal ou a Lei do mais Forte

O principio feminino pode ser considerado como ativo na historia da humanidade?

A julgar pelos sistemas sociais mais freqüentemente encontrados, poderíamos duvidar disso. Com efeito,  grande numero de civilizações, e em particular as de esfera judaico-cristã-islãmica, que nos é familiar e que influencia mais fortemente nossa maneira de pensar, existe um único modelo: o do patriarcado.

Trata-se de uma organização a um só tempo familiar e social, que faz com que um individuo, o “pai” (equivalente do rei, no nível doméstico) exerça uma autoridade sobre seus entes próximos, pelo fato de ser homem e por ser ou mais forte ou mais velho.

Nota-se que esta autoridade baseia-se geralmente no medo, e pode até incluir um direito de vida ou de morte sobre os circundantes, mulher (es) e filhos.

As transmissões familiares são feitas apenas no ramo paterno, sendo a linhagem materna considerada como secundaria ou nula, portanto negativa. O feminino apresenta-se, por conseguinte, necessariamente passivo.

O ponto comum das sociedades patriarcais é uma nítida orientação guerreira, concreta ou simbólica. Os valores masculinos – proezas, competições e individualismo – são exacerbados; a força, física, ou outra, impera sobre qualquer outra consideração. A meta suprema é dominar: a natureza, os outros seres humanos, talvez até mesmo numa ótica moral. Elas são muito hierarquizadas: qualquer individuo reputado “fraco”, seja física ou socialmente, é fadado a ser dominado por um “superior”, e isto muitas vezes recorrendo-se à violência, pois se este sistema consegue se perpetuar, é sobretudo pelo terror que os dominantes geralmente fazem reinar entre seus dependentes.

O papel das mulheres limita-se ao de geratriz sob tutela, eterna menor submissa ao seu marido e provedora de futuros soldados. Nessa ótica, somente os filhos tem valor e são festejados; em casos extremos, as meninas são mortas no instante do nascimento (Roma, China,Índia,…). A mulher é ora considerada como gado que se põe para trabalhar, ora mantida reclusa como propriedade, mas ela não tem existência legal. Com as bênçãos das leis em vigor, ela é maltratada, mutilada.

No melhor dos casos, os valores que ela representa e que desenvolve naturalmente no contato com os filhos, como a capacidade de amar e compartilhar, o sentido da beleza, o gosto pela comunicação e o riso, à vontade não de dominação mas de pleno desenvolvimento pessoal…, são menosprezados como sendo debilitantes e perigosos. Em casos extremos, são apresentados como obras de um demônio.

Esse modelo que parece universal e inexorável, de fato não. Ao contrario, ele esta longe de ter existido sempre.

Esquematizando, podemos estimar que ele foi institucionalizado há milênios, aproximadamente na Idade do Bronze. Mesmo que não haja linearidade cronológica nesse modelo e mesmo que os períodos de guerra e paz possam se alternar, considera-se que foi nesta época que a guerra se implantou como modelo sistemático, ao passo que antigamente os conflitos, sem serem inexistentes, eram todavia passageiros e esparsos, e provavelmente sentidos como uma anomalia.

Em todo caso, o sistema patriarcal aparece amiúde em épocas em que populações sedentárias passam por um crescimento demográfico tal, que os recursos naturais ameaçam ser insuficientes para alimentá-las. Os homens disputam entre si os territórios mais prósperos. Surgem então conflitos, as fortificações, a guerra.

Com eles, vem à tona à necessidade de remeter aos indivíduos mais musculosos e mais agressivos do grupo, para se proteger dos outros seres humanos ou, inversamente, para ganhar novas terras quando a fome se faz sentir (indo-europeus).

Pouco a pouco aparece uma divisão do trabalho. A partilha das tarefas existia, sem duvida, nas sociedades paleolíticas, mas não de forma rígida e definitiva; cada um assumia, por turnos de papel, seu quinhão de obrigação. Ao passo que, com a emergência da guerra e sua freqüente transformação em uma ideologia, forma-se uma classe de guerreiros que se exercitam no combate de forma quase permanente, o que implica que outros indivíduos precisam alimentá-los. È fácil imaginar como, com o tempo, esses “brutamontes” sentiram-se tentados a usar sua força não mais exclusivamente contra seus inimigos, mas também para exercer dentro de seu próprio grupo um poder que fazia deles uns privilegiados, admirados.

Sabe-se que as glândulas endócrinas do corpo humano secretam seus hormônios em função da demanda. Voltados a ocupações belicosas, não passam os “machos” humanos a secretar mais e mais testosterona e a aumentar sua agressividade? (Fenômeno esse que pode se reproduzir inclusive nas mulheres). Com isso, desenvolveram também seu capital muscular e foram ficando cada vez mais fortes.

Mesmo hoje em dia, em povos primitivos pacíficos, é desconcertante constatar que a diferença física entre homens e mulheres é pouco pronunciada: os indivíduos de ambos os sexos são geralmente pequenos, com uma musculatura firme mas pouco espetacular, apenas seus atributos sexuais permitem diferenciá-los.

Por outro lado, no final do neolítico, com o aumento dos hormônios de agressividade, ditado pelos imperativos que vimos acima, mas também com a emergência de condições de vida mais confortáveis e o acesso a uma alimentação mais farta, surge à figura do atleta com força sobre humana. È uma imagem exaltada, com heróis como Gilgamesh, Hercules, etc., conforme as tradições.

Paralelamente, surge uma vontade de sacralizar essa força. Justifica-se a dominação do mais forte através de um decreto divino. Logo se elaboram diversas gêneses que tendem a demonstrar o bom fundamento desse sistema enquanto organização eterna. O rei terra tem seu modelo no rei céu.

Como diz o mongol Mangu Khan, numa carta enviada ao rei da França por intermédio de Ruysbroeck: “Esta é a ordem do Deus eterno: no céu haverá um só Deus eterno e, na terra, um só mestre, Gengis Khan, filho de deus”. Profissão de fé que reflete todas as outras!

A partir daí, a religião desvia a espiritualidade em prol do poder.

As sociedades humanas entram numa fase em que, paralelamente à dominação do soberano, que tem apoio numa religião que o ampara e em leis que ele mesmo escreveu, põem-se a praticar a exclusão de alguns indivíduos e , em primeiríssimo lugar, as mulheres.

Porque na ótica guerreira essas últimas apresentam pouco interesse: face a um soldado extremamente treinado, nenhuma delas é capaz de superá-lo.

Num sistema que prega o culto do mais forte e a guerra como instituição, as mulheres são então objeto de desprezo e regaladas a um papel de total passividade. Na China, dizem que elas são yin; no Ocidente, que são de polaridade negativa. Para eles, elas personificam o passivo.

No plano religioso, enquanto se atribui o que é elevado, céu, sol, a um principio masculino, a terra, por oposição, que é pisada e portanto é objeto de desprezo, torna-se exclusivamente feminina. È a partir disso, aliás, que os seres humanos se põem a explorar a terra sem nenhum escrúpulo, com a noção de lucro prevalecendo sobre a de equilíbrio.

Valérie Dupont

“Assim como a criança recebe sua primeira educação da

mãe, os povos a recebem da mulher…

Somente à mulher é dado domar a força original,

desenfreada do homem, e guiá-la por caminhos

benéficos.”

Johann Bachofen

Sobre escritorajulia

Julia Queiroz nasceu nos pampas rio-grandenses, em uma noite fria de julho, no ano de 1960. Teve uma vida em contato com a natureza, embrenhada nas florestas e nos rios, visitando cavernas e cachoeiras. Uma vida o mais natural possível. Já há alguns anos, mora em Curitiba. Tem filhos, neto, e continua desfrutando de um espaço privilegiado pela natureza.
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